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domingo, 2 de abril de 2017

MENSAGEM DA CEAST SOBRE AS ELEIÇÕES



MENSAGEM DA CEAST SOBRE AS ELEIÇÕES 2017
Saudamos os Cristãos, bem como os homens e mulheres de boa vontade: “A Paz esteja convosco”.
Reunidos na bela e acolhedora cidade de Catumbela, diocese de Benguela, entre os dias 24 a 30 de Março, na primeira Assembleia Plenária Ordinária, e movidos pela vontade de servir o bem comum, gostaríamos de dizer uma palavra que ilumine e ajude a superar o ceptismo, a desconfiança e a indiferença diante dos acontecimentos importantes que marcam o nosso País, neste ano de eleições.
Sabemos e compreendemos que pertence à política a construção de uma sociedade justa. Contudo, com o Papa Francisco relembramos que “, a Igreja não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Todos os cristãos, incluindo os Pastores, são chamados a preocupar-se com a construção dum mundo melhor” (Evangelium Gaudium 183).

2. Neste ano de 2017, o processo eleitoral marca, sem dúvida, a vida da sociedade e também da Igreja de Angola. A fé cristã não diminui em nada a nossa condição de cidadãos, pelo contrário, aumenta a nossa responsabilidade de vivermos e actuarmos como cidadãos cuja vida – pessoal e colectiva – vai sendo transformada pela força do Amor de Deus derramado nos nossos corações (Rom 5,5).

ELEIÇÕES E A BUSCA DO BEM-COMUM
3. Passaram-se pouco mais de quarenta anos desde a conquista da Independência de Angola. Todavia, continuamos a sonhar com um País próspero, democrático, sem corrupção, socialmente justo e economicamente sustentável. A vida do país, que não é senão a vida concreta das angolanas e dos angolanos, deve sobrepor-se sempre às lógicas do poder e dos interesses estritamente partidários. Angola precisa que quem governa seja competente e governe para todos e não apenas para aqueles que o elegeram e, pior ainda, para uma elite de privilegiados. Precisa igualmente de uma oposição forte que “obrigue” quem governa a dar o melhor de si em prol do bem de todos. A democracia não é a “ditadura da maioria”; deve procurar o consenso e, mesmo que se decida pelo voto da maioria, deve valorizar-se as contribuições das minorias, cujos direitos têm de ser sempre respeitados no quadro do Estado Democrático e de Direito. Deste modo, tanto aqueles que receberem o mandato de governar como quem está na oposição desempenham uma função nobre e necessária ao bem do País, devendo servi-lo através de uma atitude de diálogo construtivo, o mais consensual possível, particularmente sensível e atento às necessidades dos membros mais vulneráveis da sociedade.
4. Amados Cristãos, caros cidadãos, devemos todos ter presente que “o bem comum empenha todos os membros da sociedade: ninguém está escusado de colaborar, de acordo com as próprias possibilidades, na sua busca e no seu desenvolvimento (Compêndio de Doutrina Social da Igreja 167). Nesta linha de ideias, recorda-nos a Igreja que, “a responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política” (Cf. CDSI 168). A partir deste pressuposto, os verdadeiros políticos são aqueles que buscam, antes de tudo, o Bem-Comum do seu povo, concretamente desta nossa Grande Família chamada Angola. Este é, e deve ser, o selo de autenticidade 2 dos governantes, no presente e no futuro, e constitui condição essencial do desenvolvimento do nosso País.

5.
Na prossecução desta finalidade, o processo eleitoral é uma forma privilegiada, se bem que não a única, dos cidadãos poderem, através da escolha expressa pelo seu voto, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa para todos. De facto, as eleições são apenas um “instrumento” que permite aos cidadãos escolherem os seus representantes e o projecto político que querem ver implementado nos próximos anos.
 
6. Recordemos quantas gerações de angolanos sonharam e lutaram para que fosse possível que cada um expressasse, através do voto, a sua opção para o presente e o futuro de Angola. Este é um direito cívico e político que, infelizmente, muitos nunca tiveram a oportunidade de exercer. E nós, que agora temos a possibilidade de exercer esse direito, vamos desprezá-lo?

ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS
7. Constatamos, com preocupação, em muitos dos nossos concidadãos um certo desencanto, em relação ao novo processo eleitoral, que foi notório no desinteresse de muitos pela actualização do registo eleitoral. Há muitas pessoas, principalmente entre as mais vulneráveis, que se sentem defraudadas pela incoerência entre o conteúdo dos programas políticos escolhidos em eleições anteriores e uma prática política que muitas vezes os ignora, favorecendo quem tem influência política e poder económico ou militar.

8. Quem se deixa levar pelo desencanto face às debilidades da democracia angolana, com a sua desistência, abdica do esforço necessário para procurar construir uma vida melhor para todos. Como pode, quem não participa na vida política, esperar um futuro melhor, se nega o seu esforço para que esse futuro se torne uma realidade ao longo de um processo de aprendizagem conjunta que todos, como cidadãos deste País, temos de continuar a fazer em ordem ao aperfeiçoamento da nossa democracia?

9. A democracia não é necessariamente virtuosa, não é fim em si mesma, não se implementa “por decreto”, mas exige uma aprendizagem permanente, uma educação cívica democrática e a contribuição de todos os cidadãos e actores sociais para se ir desenvolvendo e aperfeiçoando. A este respeito, convém recordar o ensinamento de São João Paulo II na Centesimus Annus, “a Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objectivos ideológicos ” (CA 46). É a “partidocracia” que quase sempre leva ao imobilismo e ao parasitismo social.

10. Há eleições democráticas quando o povo pode escolher, com liberdade e responsabilidade e sem intimidação nem aliciamentos, aqueles que, a seu ver, têm qualidades necessárias, para promoverem o Bem-Comum; quando os partidos concorrentes à governação realizam livre e responsavelmente a sua campanha eleitoral, num clima de segurança e respeito por todos. Neste ponto, os órgãos públicos de manutenção da ordem têm um papel fundamental e uma responsabilidade que lhes é própria.

11. A campanha eleitoral não deve distrair os cidadãos do essencial: o mais importante não é o partido que ganha as eleições, mas a idoneidade e a capacidade das pessoas escolhidas pelo voto para 3 corresponderem, com o seu trabalho ao serviço do bem comum, à confiança que nelas foi depositada pelos seus concidadãos. Não é demais recalcar que é importante reconhecer o valor das iniciativas alheias e que a autocrítica dignifica qualquer partido ou candidato.

12. Espera-se dos partidos políticos que concorrem às eleições a obrigação de apresentar aos cidadãos o programa político que pretendem implementar se forem eleitos, não se limitando a apontar meias frases ou metas vagas, como: melhor educação, melhor saúde,… combate à corrupção, mas esclarecendo que metas concretas se propõem alcançar, como se propõem alcançá-las, quais as pessoas competentes com que cada Partido conta para pôr em prática o seu programa político. Por outras palavras, trata-se de ultrapassar as promessas populistas, vazias de conteúdo e dificilmente realizáveis. Vai sendo tempo de habituar o povo a assistir ao debate de ideias entre os candidatos.

13. A par dos órgãos competentes previstos pela lei, todos devemos contribuir para o bom curso do processo eleitoral. Os responsáveis políticos e partidários devem assegurar a máxima transparência de todas as fases do processo eleitoral para que decorra de forma pacífica e a sua credibilidade não seja colocada em questão. Este apelo dirige-se de igual modo à sociedade civil em geral. Se alguém detectar alguma irregularidade deve informar e reclamar imediatamente, nos termos da lei, para que, eventuais irregularidades sejam analisadas e tidas em conta antes da divulgação dos resultados, de modo a que estes não venham a ser questionados.

14. A Igreja Católica não se identifica com nenhum sistema político nem endossa algum candidato. A igreja encoraja e exorta todos os cidadãos a exercer o seu direito e dever de voto. Evidentemente que para os cristãos e homens de boa vontade, nem todos os programas valem. Os fiéis podem e devem legitimamente escolher diferentes programas políticos, ser militantes ou apoiantes de diferentes partidos políticos. Este exercício, cada um deverá fazê-lo de forma informada e consciente, à luz da sua fé e tendo em conta os princípios da Doutrina Social da Igreja e do direito Natural, nomeadamente no que diz respeito à: dignidade da pessoa humana – defender os valores da vida desde a concepção até à morte natural, da família, da justiça e o acesso de todos aos bens económicos, sociais e culturais indispensáveis a uma vida digna; o bem comum – a justiça social e o respeito pelos direitos humanos, promover o combate eficaz à corrupção; a solidariedade – tendo em conta o destino universal dos bens da criação, promover políticas centradas nas necessidades dos mais pobres, fomentar a inclusão social; a subsidiariedade – aproximar, tanto quanto possível, os decisores e os centros de decisão dos cidadãos; as autarquias – apresentar a calendarização da implementação das autarquias como pressuposto para fortalecer a Democracia; o ambiente, o cuidado pela “casa comum”, as nossas florestas, rios, mares, montanhas etc.

15. A vida democrática do país não termina com o processo eleitoral, nem fica suspensa até ao novo acto eleitoral. Todos os cidadãos devem continuar a participar na vida democrática do país, fiscalizando a acção do Governo eleito e promovendo iniciativas que contribuam para a construção de uma Angola melhor para todos, de uma Angola de cidadãos, onde todos se sintam construtores do País.

ALGUMAS ORIENTAÇÕES PRÁTICAS E ÉTICA NAS ELEIÇÕES
Eleições Viradas para o Futuro
16. Os órgãos de Comunicação Social, sobretudo os estatais, têm sido excessivamente unilaterais e tendenciosos. Para a sua credibilidade, devem desempenhar o seu papel, extremamente importante, ao longo de todo o processo eleitoral, com rigor e isenção, garantindo o acesso à informação sobre os 4 diferentes candidatos e programas políticos; noticiando com verdade e imparcialidade. Cada Órgão de Comunicação Social deve assumir a responsabilidade de divulgar uma informação equilibrada e plural. O direito à informação plural é um dos pilares fundamentais de qualquer sistema democrático e essencial para a consolidação da nossa democracia em Angola.

17. É natural que o entusiasmo se apodere dos candidatos e seus simpatizantes no momento de apresentar os respectivos programas políticos, contudo devemos acautelar que não se falte ao respeito pela diversidade de opções que é constitutiva do sistema democrático. Preste-se atenção para que nenhuma situação leve a qualquer tipo de violência (verbal, física, psicológica,…). No respeito pela reconciliação nacional, evite-se recordar desnecessariamente episódios tristes da nossa história recente, que nem sequer fazem parte da experiência de muitos eleitores. Seria insensatez abrir feridas que estão a cicatrizar.

Apelo aos Garantes da Ordem

18. A lei angolana considera que os membros de certos grupos profissionais – por exemplo: os magistrados, os agentes da polícia, os militares – devem ser apartidários. Isto não significa que não possam votar e ter as suas preferências partidárias, mas que se devem abster de as manifestar e de fazer campanha partidária, pressionando as pessoas a votar em A ou B.

Apelo aos Líderes Religiosos e às Autoridades Tradicionais

19. Os membros da comunidade cristã podem legitimamente optar por ser militantes, simpatizantes ou eleitores de diferentes partidos políticos e, independentemente das suas opções partidárias, todos devem sentir que na Igreja estão na sua casa e na sua família. Para que assim aconteça, ninguém use o espaço destinado às celebrações, catequeses e reuniões de grupos e movimentos apostólicos para campanha partidária, seja através de cartazes, autocolantes, bandeiras, bonés, camisolas ou outros materiais de cariz partidário.

20. Os Líderes das comunidades católicas – bispos, presbíteros, diáconos, religiosas ou religiosos, evangelistas ou catequistas – devem abster-se de manifestar as suas preferências partidárias e de fazer campanha partidária.

21. Convidamos também os líderes das demais confissões religiosas e as autoridades tradicionais a agirem do mesmo modo, dando um testemunho de unidade no respeito pela diversidade de opções que caracteriza o sistema democrático. Recordamos que a natureza e a dignidade da autoridade tradicional é anterior e transcende os partidos políticos. Por isso, apelamos à sua não instrumentalização e que eles mesmos também não se deixem instrumentalizar.

UM AGRADECIMENTO
22. Antes de concluir esta mensagem pastoral, queremos deixar uma palavra de apreço e reconhecimento a todos os cristãos que, num contexto tão complexo como o nosso, continuam a dar testemunho da sua fé, a participar, de forma séria e honesta, na vida partidária e a exercer o poder político como uma missão em vista à edificação do bem comum. Louvamos e agradecemos, de igual modo, a todos os cidadãos que se empenham generosamente para garantir que este processo eleitoral possa decorrer da melhor forma, através do seu trabalho nos vários níveis, antes, durante e após o acto eleitoral.

CONCLUSÃO
23. A Páscoa que estamos a preparar intensamente, é celebração da vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio, do diálogo sobre a intolerância, do bem sobre o mal, enfim, da reconciliação sobre a violência. Por isso, a caridade impele-nos a renovar o nosso compromisso com a verdade, a liberdade, a justiça e a solidariedade na Igreja e na sociedade política da qual somos parte integrante. Aceitemos os desafios da hora presente e futura sem pessimismo nem fatalismo, mas com esperança e grande sentido cívico. Aceitemos o desafio de construir uma sociedade nova fundada no direito e justiça e que seja respeitada a vontade soberana do povo. Que Maria, Rainha da Paz, obtenha do seu Filho a paz duradoira para a nossa Pátria.

Catumbela, aos 30 de Março de 2017
Os Bispos da CEAST